quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O monólogo de Raziel

A queda ou o despertar
Voei o mais alto que pude com a ambição e o desespero de um pobre que quis assaltar o céu mas se perdeu na neblina e caiu nas águas gélidas e turvas que desaguavam no submundo. Velozmente choquei-me com a parede de água e fraturei uma das asas, asas que crescem apenas nos sonhadores, enquanto sonhas o espirito é libertado e pode-se voar para onde quiser, mas ao despertar corre-se o perigo de estar em qualquer lugar frio e úmido com o corpo ferido e exausto. Debatendo-se e afundando cada vez mais, eu gritava, é agonizante por ser um grito sem eco, engoli muita água salobra e a força devastadora da correnteza fez-me rodar por todos os lados me arrastando contra pedras cortantes. Continuei sendo arrastado submersamente e fechei os olhos, não sentia mais as pernas, os braços e as asas, ainda havia na alma um foco de luz esperançosa coberta de lodo e pó, mas era insuficiente para dar forças aos membros agredidos.
Walter Rodrigues

domingo, 11 de novembro de 2007

A carta de Alforria

A liberdade de expressão nunca vai caminhar sem estar acompanhada da punição, não acredito mais no trabalho contratual e nos beneficíos que ele possa proporcionar. A carta de alforria me foi concedida porém ela foi inescrupulosamente forjada e os meus direitos trabalhistas foram discaradamente roubados como eu infelizmente imaginava.






quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Trabalho e Tédio

Trabalho e tédio - buscar trabalho pelo salario - nisso quase todos os homens dos paises civilizados são iguais; para eles trabalho é um meio,não um fim em si; e por isso são poucos refinados na escolha do trabalho, desde que proporcione uma boa renda.Mas existem seres raros, que preferem morrer a trabalhar sem ter prazer no trabalho: são aqueles seletivos, dificeis de satisfazer, aos quais não serve uma boa renda, se o trabalho mesmo não for a maior de todas as rendas.A esta rara especie de homens pertencem os artistas e contemplativos de todo gênero, mas também os ociosos que passam a vida a caçar, em viagens, em atividades amorosas e aventuras. Todos estes querem o trabalho e a necessidade, enquanto estejam associados ao prazer, e até o mais duro e difícil trabalho,se tiver de ser. De outro modo são de uma resoluta indolência, ainda que ela traga miséria, desonra, perigo para a saúde e a vida. Não é o tédio que eles tanto receiam, mas o trabalho sem prazer; necessitam mesmo do tédio para serem bem sucedidos no seu trabalho. Para o pensador e para todos os espiritos inventivos, o tédio é aquela desagradavel "calmaria"da alma, que precede a viagem venturoza e os ventos joviais; ele tem de suportá-la, tem de aguardar em si o seu efeito: - é justamente isso que as naturezas menores não conseguem obter de si! Afastar o tédio a todo custo é vulgar: assim como é vulgar trabalhar sem prazer.Algo que talvez distinga os asiaticos, em relação aos europeus, é o fato de serem capazes de uma mais prolongada calma do que estes; mesmo os seus narcóticos agem lentamente e exigem paciência, ao contrario da repulsiva rapidez do veneno europeu, o alcool.



Nietszche - Gaia Ciência

Esboço de uma vida comum

Tomei uma dose de cocaina e fui para o meu emprego torturante que parecia um necrotério, todos estavam mortos, esse é mais um dia típico e frustrante que a chuva havia escolhido para cair. Eu era o metereologista do meu tempo e a minha previsão não falhava, uma tempestade nebulosa estava por vir, sentado num banco isolado do metrô observava as pessoas com suas caras cansadas e conformadas, se merda valhesse alguma coisa pobres não teriam bunda, o odio crescia a cada estação que passava me fazendo suar frio, as gotas escorriam pela minha face e despencavam na calça jeans suja e rasgada, senti uma vontade imensa de gritar impropérios e quebrar o vidro da janela com um soco de Mike Tyson, simplismente não queria estar em lugar nenhum naquele momento e ficar sozinho era impossivel o caos não permitia, estava cansado daquela personalidade, cada vez mais eu percebia que era extremamente dificil ser livre, atravessando um pântano de tristezas onde a margem esta infestada de crocodilos famintos o único pensamento que perambula pela mente é que a vida tem muitas dores e a morte acaba com todas elas. Debruçado na janela eu olhava a Radial e os mesmos carros frenéticos que passavam todos os dias sobre seu asfalto saliente e esburacado, as mesmas motos barulhentas e os mesmos ônibus entupidos com dezenas de pessoas expremidas voltando para casa, eu repito: se merda valhesse alguma coisa pobres não teriam bunda, sou apenas mais uma entidade sofredora entre tantas outras, trabalhar à noite era a única vantangem que eu tinha, não enfrentava a guerra matutina para pegar condução e também não sofria com o retorno cansativo para o lar, inspirei profundamente o ar na intenção de absorver para o organismo o ultimo cristal de cocaina que restava no nariz, somente com a adrenalina liberada correndo em todas as veias que é possivel suportar aquelas vozes agoniantes que viajam por cabos telefonicos do brasil inteiro até chegarem aos meus ouvidos latrinais, o corpo tinha que estar amortecido para aguentar os clientes ignorantes que o banco possuia, eu tinha que estar numa dimensão paralela daquela que era pertubadora. A minha bunda estava parecendo uma peneira de garimpeiro de tanto tomar injeção e as juntas dos braços estavam doloridas com hematomas de cor verde das picadas por receber soro a semana inteira, o corpo estava encharcado de remédio, cada dia eu surgia com uma dor diferente e ouvia dos médicos prescrições estupidas para os sintomas que eu inventava, com todos aqueles atestados na mão um de cada hospital que passei eu iria aplicar o velho "fecha boca de patrão", afinal de contas uma doença pode surgir a qualquer momento e não havia absolutamente nada oque falar aquele Bossal, esse foi o único método que encontrei para tentar ser despedido sem tomar uma justa causa, não podia mais vacilar, eu ja tinha levado três suspensões por faltas injustificadas e algumas advertências por erros banais como transferências e queda indevida de ligações e por ultrapassar o tempo estipulado da pausa de descanço, é muito propício cometer esses erros numa central de atendimento, em média um operador receptivo atende mais de oitenta ligações no período de seis horas, o cérebro derrete, a maioria das ligações é por causa de algum problema devido do banco ou compulsividade dos clientes à gastar, é o cúmulo quando um escroto liga para central as duas horas da manha para verificar o limite disponivel no cartão o cretino não vai comprar nada naquele momento e nem vai sair de casa para comprar mas ele tem que dormir sabendo o valor e sonhar com a compra do objeto desnecessario de desejo, o banco e outras instituições capitalistas através dos veículos de comunicação incitam as pessoas à gastar muito mais do que elas podem o pobre cidadão iludido excede o limite do cartão por ter comprado todas as coisas que ele "acha" que precisa para estar feliz e depois liga para a central de atendimento e pedi para parcelar o valor total da fatura porque não tem dinheiro para pagar, é assim que o banco lucra milhões em semanas, parcelando faturas com juros abusivos e o operador colabora para isso ocorrer, se um operador ultrapassa o seu tempo de descanço é menos uma ligação de um cliente desesperado que ele deixa de atender, poderia ser mais uma solicitação de parcelamento ou qualquer outra coisa idiota que traga lucro, a produtividade do operador cai e por isso ele vai ser punido. Quando cheguei no prédio da empresa estava com o coração a Trezentos batimentos por minuto, entrei no elevador da ala B e apertei o botão sete, ao subir imaginei-me colocando uma arma na boca do meu supervisor, ele cagava de medo e eu gargalhava igual a um Sádico, não sei porque justamente naquele momento tamanha peversidade surgio nos meus pensamentos mas a atmosfera daquele lugar faria qualquer um imaginar tais coisas diabolicas, cheguei no sétimo andar desci, fui até a recepção e peguei com o segurança um cracha de visitante, a mais de um ano o meu cracha estava bloqueado e nenhum desgraçado resolveu esse problema, todos os dias eu tinha que ir até a ala B e pegar um cracha com um segurança semi-analfabeto que ficava de plantão, depois de uma semana e meia de ausencia eu retornava para o trabalho como se estivesse voltando do dia de folga, sorrindo, circulava pelos corredores comprimentando desde homossexuias depravados a chefes de familia, aquele lugar estava repleto de gente mediocre e ordinaria, eram raros os que se destacavam. Coloquei o maldito headfone na cabeça e digitei minha senha de acesso no programa, começava mais uma etapa da missão, houve uma época que eu tratava com cordialidade e empatia os clientes, otario, aprendi que quanto mais cordial, prestativo e compreensivo eu era, mais eles gritavam e me ofendiam, o banco errava e roubava muito os clientes e para não servir de bode expiatório eu não podia ser bonzinho tinha que ser um demagogo rude, hostil e rispido, a ultima palavra sempre tinha que ser minha ou eu entraria num conflito ardio e sofreria com algum cliente neurotico, o meu carater havia sido corrompido por aquela instituição cosmodemoniaca e isso era triste, meu metabolismo estava abalado, pesava cinquenta e seis quilos, fazia apenas uma refeição por dia, ia dormir sempre as oito e meia da manha e acordava as seis horas da noite parecendo que tinha dormido sobre pedras, me sentia doente de verdade e a todo momento eu pensava que iria ter um ataque epilético.


Walter Rodrigues