sábado, 22 de dezembro de 2007

Auto-isolamento

Surge um novo período no mundo que nos faz sentir próximos dos nossos semelhantes, mas cada vez ficamos mais distantes. Mil quilômetros não vão ser nada quando nos tornamos uma interface holográfica digital, não vamos mais precisar de pele e ossos, seremos de plasma, nossas formas serão retangulares. O calor humano não será necessário, gestos como o abraço e o beijo seram instintos e viveremos em inércia.
Walter Rodrigues

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O pulo das sete ondinhas não me trouxe sorte

Havia se passado quase um ano depois que autoazarei-me ao blasfemar e debochar do estouro da minha champagne - a velha cidra - que chacoalhei intensamente para cima e para baixo, sorrindo, com excitação e prévia felicidade, desejando a sorte, a poucos minutos antes dos céus noturnos e estrelados se colorirem de verde, azul, amarelo e vermelho e o barulho ensurdecedor atravessar os ouvidos. Iniciava-se a contagem regressiva, Dez, Nove, Oito, Sete... a maioria das pessoas estavam usando as tradicionais roupas brancas do último dia do ano e descalças sobre a areia repleta de velas acesas e flores que o mar devolvia Seis, Cinco, Quatro... sorriam alegremente e começavam a agitar suas garrafas também, algumas parecidas com a minha e outras iguais as que são entregues aos pilotos de Fórmula 1 - garrafas enormes de vidro reluzente igual ao brilho de uma safira - cheias de vinho branco, enquanto a minha, uma garrafa transparente e de rótulo rasgado, onde não havia sido engarrafado o liquido borbulhante e sim enxofre. Três, Dois, Um - Feliz Ano Novo!
Quando saquei a rolha - Pof! - A maldita rolha - explodiu no céu a palavra Azar, escrita gigantescamente em vermelho e decorada por um ballet de explosões de azul e verde, o estouro da minha champagne, se é que posso chamar aquilo de estouro, foi semelhante a impotência de um membro, a rolha não tinha subido até às estrelas como eu imaginava, simplesmente caiu ao lado dos meus pés e nem mesmo aquela fumaçinha que sobe da garrafa após sacar a rolha surgiu. Tomei um gole amargo e ransoço daquela cidra e limpei a boca com o braço direito, ofendi a Deus e a mim mesmo. As pessoas ao meu redor pulavam, bebiam e a chuva de champagne molhava a face de todos - menos a minha - alguns homens corriam com suas garrafas atrás de mulheres e faziam jorrar o vinho branco, que parecia interminável em suas costas, outros agradeciam e faziam suas orações a beira mar, muitos casais beijavam-se e abraçavam-se. O barulho dos fogos de artifício era a trilha sonora daquele momento de felicidade onde a falsidade se camuflava entre as risadas, os abraços e as dedicações de feliz ano novo. Começava uma trajetória de frustrações e pleno azar para mim.
Walter Rodrigues

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ponto de retorno

O caos, alastrado por todo esse pós-mundo. Não temos uma época, somos a geração de iludidos e decadentes que possuem dívidas altíssimas com os sonhos. Crescemos sentados na frente da tela de vidro e vivemos como suínos, comendo tudo oque é oferecido, dormindo e procriando. Como os quelônios, fazemos de nossos cascos uma morada e uma proteção, mas fedemos por dentro, o chorume da humanidade transborda pelo nosso interior habitado por vermes, somos parasitas - o câncer do universo. Tudo já foi escrito, falado, cuspido e comercializado. O eterno retorno nietzscheniano, desde pertubações humanas a bandas de rock dos anos 70. É necessario destruir para ser criado algo novamente e quando nos libertarmos tudo seguirá com infalível certeza, mesmo no meio do caos.

Walter Rodrigues

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O monólogo de Raziel

De volta a mim
De nada me serviram os remédios, a dor das agulhas perfurando o corpo e as encenações do personagem enfermo, um impulso juvenil, ansioso e precipitado poderosamente inverteu o movimento das engrenagens douradas da minha mente. A frustração novamente me visitou trazendo consigo flores murchas, os pilares de sustentação do ego apenas estremeceram-se, pois em suas estruturas o orgulho e a honra foram misturados às pedras de mármore - sujas de tártaro do mundo. Por uma fenda na alma, um raio de luz de esperança atravessou e iluminou o caminho obscuro do vale das trevas, era o momento de correr e se esquivar dos ataques de criaturas taciturnas gritantes e chegar à encosta Lira. Enquanto eu corria por uma alameda de árvores cinzas e secas onde corujas descansavam, uma lembrança antiga surgiu devastando os meus sentidos me fazendo parar - "Estás amaldiçoado para sempre Raziel" e nunca mais vai acreditar no mundo e nos seus semelhantes, mesmo que lhe digam a verdade! - palavras estas pronunciadas por um espectro que encontrei nas ruas barulhentas de Hiperion. Imóvel e com os pés sujos de lama negra, olhei ao meu redor e percebi que olhos de brilho vermelho nefasto me vigiavam da floresta e morcegos sobrevoavam a minha cabeça, pensei nas palavras ditas pelo espectro e imediatamente o meu egocentrismo criou uma muralha diante dos meus olhos. Eu era amaldiçoado por mim mesmo e não havia mais a necessidade de continuar correndo se não acreditava naquela luz.
Walter Rodrigues

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O monólogo de Raziel

A queda ou o despertar
Voei o mais alto que pude com a ambição e o desespero de um pobre que quis assaltar o céu mas se perdeu na neblina e caiu nas águas gélidas e turvas que desaguavam no submundo. Velozmente choquei-me com a parede de água e fraturei uma das asas, asas que crescem apenas nos sonhadores, enquanto sonhas o espirito é libertado e pode-se voar para onde quiser, mas ao despertar corre-se o perigo de estar em qualquer lugar frio e úmido com o corpo ferido e exausto. Debatendo-se e afundando cada vez mais, eu gritava, é agonizante por ser um grito sem eco, engoli muita água salobra e a força devastadora da correnteza fez-me rodar por todos os lados me arrastando contra pedras cortantes. Continuei sendo arrastado submersamente e fechei os olhos, não sentia mais as pernas, os braços e as asas, ainda havia na alma um foco de luz esperançosa coberta de lodo e pó, mas era insuficiente para dar forças aos membros agredidos.
Walter Rodrigues

domingo, 11 de novembro de 2007

A carta de Alforria

A liberdade de expressão nunca vai caminhar sem estar acompanhada da punição, não acredito mais no trabalho contratual e nos beneficíos que ele possa proporcionar. A carta de alforria me foi concedida porém ela foi inescrupulosamente forjada e os meus direitos trabalhistas foram discaradamente roubados como eu infelizmente imaginava.






quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Trabalho e Tédio

Trabalho e tédio - buscar trabalho pelo salario - nisso quase todos os homens dos paises civilizados são iguais; para eles trabalho é um meio,não um fim em si; e por isso são poucos refinados na escolha do trabalho, desde que proporcione uma boa renda.Mas existem seres raros, que preferem morrer a trabalhar sem ter prazer no trabalho: são aqueles seletivos, dificeis de satisfazer, aos quais não serve uma boa renda, se o trabalho mesmo não for a maior de todas as rendas.A esta rara especie de homens pertencem os artistas e contemplativos de todo gênero, mas também os ociosos que passam a vida a caçar, em viagens, em atividades amorosas e aventuras. Todos estes querem o trabalho e a necessidade, enquanto estejam associados ao prazer, e até o mais duro e difícil trabalho,se tiver de ser. De outro modo são de uma resoluta indolência, ainda que ela traga miséria, desonra, perigo para a saúde e a vida. Não é o tédio que eles tanto receiam, mas o trabalho sem prazer; necessitam mesmo do tédio para serem bem sucedidos no seu trabalho. Para o pensador e para todos os espiritos inventivos, o tédio é aquela desagradavel "calmaria"da alma, que precede a viagem venturoza e os ventos joviais; ele tem de suportá-la, tem de aguardar em si o seu efeito: - é justamente isso que as naturezas menores não conseguem obter de si! Afastar o tédio a todo custo é vulgar: assim como é vulgar trabalhar sem prazer.Algo que talvez distinga os asiaticos, em relação aos europeus, é o fato de serem capazes de uma mais prolongada calma do que estes; mesmo os seus narcóticos agem lentamente e exigem paciência, ao contrario da repulsiva rapidez do veneno europeu, o alcool.



Nietszche - Gaia Ciência

Esboço de uma vida comum

Tomei uma dose de cocaina e fui para o meu emprego torturante que parecia um necrotério, todos estavam mortos, esse é mais um dia típico e frustrante que a chuva havia escolhido para cair. Eu era o metereologista do meu tempo e a minha previsão não falhava, uma tempestade nebulosa estava por vir, sentado num banco isolado do metrô observava as pessoas com suas caras cansadas e conformadas, se merda valhesse alguma coisa pobres não teriam bunda, o odio crescia a cada estação que passava me fazendo suar frio, as gotas escorriam pela minha face e despencavam na calça jeans suja e rasgada, senti uma vontade imensa de gritar impropérios e quebrar o vidro da janela com um soco de Mike Tyson, simplismente não queria estar em lugar nenhum naquele momento e ficar sozinho era impossivel o caos não permitia, estava cansado daquela personalidade, cada vez mais eu percebia que era extremamente dificil ser livre, atravessando um pântano de tristezas onde a margem esta infestada de crocodilos famintos o único pensamento que perambula pela mente é que a vida tem muitas dores e a morte acaba com todas elas. Debruçado na janela eu olhava a Radial e os mesmos carros frenéticos que passavam todos os dias sobre seu asfalto saliente e esburacado, as mesmas motos barulhentas e os mesmos ônibus entupidos com dezenas de pessoas expremidas voltando para casa, eu repito: se merda valhesse alguma coisa pobres não teriam bunda, sou apenas mais uma entidade sofredora entre tantas outras, trabalhar à noite era a única vantangem que eu tinha, não enfrentava a guerra matutina para pegar condução e também não sofria com o retorno cansativo para o lar, inspirei profundamente o ar na intenção de absorver para o organismo o ultimo cristal de cocaina que restava no nariz, somente com a adrenalina liberada correndo em todas as veias que é possivel suportar aquelas vozes agoniantes que viajam por cabos telefonicos do brasil inteiro até chegarem aos meus ouvidos latrinais, o corpo tinha que estar amortecido para aguentar os clientes ignorantes que o banco possuia, eu tinha que estar numa dimensão paralela daquela que era pertubadora. A minha bunda estava parecendo uma peneira de garimpeiro de tanto tomar injeção e as juntas dos braços estavam doloridas com hematomas de cor verde das picadas por receber soro a semana inteira, o corpo estava encharcado de remédio, cada dia eu surgia com uma dor diferente e ouvia dos médicos prescrições estupidas para os sintomas que eu inventava, com todos aqueles atestados na mão um de cada hospital que passei eu iria aplicar o velho "fecha boca de patrão", afinal de contas uma doença pode surgir a qualquer momento e não havia absolutamente nada oque falar aquele Bossal, esse foi o único método que encontrei para tentar ser despedido sem tomar uma justa causa, não podia mais vacilar, eu ja tinha levado três suspensões por faltas injustificadas e algumas advertências por erros banais como transferências e queda indevida de ligações e por ultrapassar o tempo estipulado da pausa de descanço, é muito propício cometer esses erros numa central de atendimento, em média um operador receptivo atende mais de oitenta ligações no período de seis horas, o cérebro derrete, a maioria das ligações é por causa de algum problema devido do banco ou compulsividade dos clientes à gastar, é o cúmulo quando um escroto liga para central as duas horas da manha para verificar o limite disponivel no cartão o cretino não vai comprar nada naquele momento e nem vai sair de casa para comprar mas ele tem que dormir sabendo o valor e sonhar com a compra do objeto desnecessario de desejo, o banco e outras instituições capitalistas através dos veículos de comunicação incitam as pessoas à gastar muito mais do que elas podem o pobre cidadão iludido excede o limite do cartão por ter comprado todas as coisas que ele "acha" que precisa para estar feliz e depois liga para a central de atendimento e pedi para parcelar o valor total da fatura porque não tem dinheiro para pagar, é assim que o banco lucra milhões em semanas, parcelando faturas com juros abusivos e o operador colabora para isso ocorrer, se um operador ultrapassa o seu tempo de descanço é menos uma ligação de um cliente desesperado que ele deixa de atender, poderia ser mais uma solicitação de parcelamento ou qualquer outra coisa idiota que traga lucro, a produtividade do operador cai e por isso ele vai ser punido. Quando cheguei no prédio da empresa estava com o coração a Trezentos batimentos por minuto, entrei no elevador da ala B e apertei o botão sete, ao subir imaginei-me colocando uma arma na boca do meu supervisor, ele cagava de medo e eu gargalhava igual a um Sádico, não sei porque justamente naquele momento tamanha peversidade surgio nos meus pensamentos mas a atmosfera daquele lugar faria qualquer um imaginar tais coisas diabolicas, cheguei no sétimo andar desci, fui até a recepção e peguei com o segurança um cracha de visitante, a mais de um ano o meu cracha estava bloqueado e nenhum desgraçado resolveu esse problema, todos os dias eu tinha que ir até a ala B e pegar um cracha com um segurança semi-analfabeto que ficava de plantão, depois de uma semana e meia de ausencia eu retornava para o trabalho como se estivesse voltando do dia de folga, sorrindo, circulava pelos corredores comprimentando desde homossexuias depravados a chefes de familia, aquele lugar estava repleto de gente mediocre e ordinaria, eram raros os que se destacavam. Coloquei o maldito headfone na cabeça e digitei minha senha de acesso no programa, começava mais uma etapa da missão, houve uma época que eu tratava com cordialidade e empatia os clientes, otario, aprendi que quanto mais cordial, prestativo e compreensivo eu era, mais eles gritavam e me ofendiam, o banco errava e roubava muito os clientes e para não servir de bode expiatório eu não podia ser bonzinho tinha que ser um demagogo rude, hostil e rispido, a ultima palavra sempre tinha que ser minha ou eu entraria num conflito ardio e sofreria com algum cliente neurotico, o meu carater havia sido corrompido por aquela instituição cosmodemoniaca e isso era triste, meu metabolismo estava abalado, pesava cinquenta e seis quilos, fazia apenas uma refeição por dia, ia dormir sempre as oito e meia da manha e acordava as seis horas da noite parecendo que tinha dormido sobre pedras, me sentia doente de verdade e a todo momento eu pensava que iria ter um ataque epilético.


Walter Rodrigues